RADIALISTA

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PPAIVA-JORNALISTA E RADIALISTA
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quarta-feira, 21 de abril de 2010

AOUVIR/CE

UMA ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS

UMA ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS

A Associação de Ouvintes de Rádio do Estado do Ceará (AOUVIR/CE) promoveu no dia 27 de junho próximo passado, a festa de confraternização para comemorar seus seis anos de fundação, e vida. Sem muitas pompas, mas com uma investidura exitosa patrocinou mais uma vez um encontro lastreado pela ótica multifária, ilaindo indefectível ressonância entre ouvintes de rádio, cantores, radialistas e presidentes de associações e agremiações. A Aouvir tem se revestido nesses seis últimos anos de honestidade como único e verdadeiro caminho para alcançar seus objetivos. Com muito sacrifício, amor, dedicação, e respeito pelos seus sócios, bem como a todos os ouvintes de rádio, jamais esta bela associação trocou o expurgo pela fantasia.

A Associação é um grupo de pessoas que luta por uma programação de rádio que valorize o ouvinte, promova o desenvolvimento da cidadania, do crescimento intelectual, político e social dos usuários de rádio da Terra alencarina. Só conseguiremos a independência através do altruísmo de pensamentos e ações. A criação do ouvinte de rádio nasceu tenho como embrião a Lei Nº. 9165 de 22 de Fevereiro de 2007. Instituiu o “Dia do Ouvinte de Rádio” a ser comemorado no dia, 21 de setembro de cada ano. A Câmara Municipal de Fortaleza, com base no artigo 36, inciso V da Lei Orgânica do Município, assinada por Agostinho Frederico Carmo Gomes-Tim Gomes - Presidente da Câmara Municipal veio fortalecer ainda mais a Associação em todas as nuanças e aspectos.

Na ocasião da festa foi assinada a parceria entre a Ascemus (Associação Cearense dos Músicos) e a Aouvir/CE. Foram sorteados muitos brindes entre os presentes a solenidade festiva. A Diretoria da Associação se manifestou com altivez e de forma elegante com a seguinte explanação: “Está de parabéns a Aouvir/CE que proporcionou aos presentes nas comemorações dos seus 06 anos de aniversário momento de alegria e descontração na Churrascaria do Join - Rua José Façanha 836 Damas”. Agradecendo de coração à presença da Ascemus, os que compõem a Aouvir, Carlos Rocha, Terezinha de Jesus, Gerardo Anésio, Valmir Santos, Chico Coelho, Ismael Rabelo, Janaína, Mazé Dourado, dentre outros. O nosso muito obrigado aos ilustres presentes que deram uma dinâmica nova a festa. . A Diretoria.

A Aouvir com sua vista voltada para a cultura cearense, prima por uma excelente programação de rádio, tentando exterminar programações cavilosas que denigrem a imagem do rádio tupiniquim, bem como mesclar com atitudes hosânicas o bem de todos. O elo rádio, radialistas, profissionais ligados à radiodifusão, permissionários e a Aouvir trará uma psicosfera sintônica e uma reciprocidade vibratória. O Museu do Rádio se reveste de aspecto dileto para insigne ambiência para Fortaleza e que merece a ajuda das autoridades para sua instalação imediata, pois como pólo de cultura a Terra do Sol será uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Esse evento esportivo mundial poderá transformar o museu do irreal para o real proporcionando aos turistas um cenário relevante aos que estarão em Fortaleza. Será mais um lugar prazeroso de aquilatar o antigo contrastando com o novo, e mostrando a tecnologia do passado e sua evolução no futuro.

Queremos ressaltar a dinamicidade de toda a direção da Aouvir na pessoa de seu presidente Luis Fernando e do incansável vice-presidente, professor Djacir pelos relevantes serviços prestados a radiofonia cearense, apesar da incompreensão de alguns radialistas que se acham cerceados e censurados, mas nunca foi, e jamais será a missão da Aouvir/Ce. O esforço a ser desprendido para a interação ou integração Sindicato/Associação, para limpar os escombros que se encontram insculpidos no cenário, no teatro de operações da radiofonia cabeça-chata. Pretendemos ungir um archote, sem egolatria, mas com assertiva sem fogo-fátuo. Inserirmos no ciclo historiográfico de um trabalho árduo com vocação, amor ao ideal que se formou no decorrer destes anos preclaros que tivemos, e que usamos como azimute diferencial para lutarmos por um rádio melhor, de qualidade, e que no final alcançássemos o famoso in hoc signo vinces (com este sinal vencerás). A luta continuará sendo árdua, mas nosso planejamento estratégico tem o reforço e aprovação do Pai Maior (Deus) e as bênçãos do Mestre Jesus Cristo.

Devemos imantar que há sempre duas explicações para os conflitos existentes nos relacionamentos, mas é comum o denodo, a força de vontade, o companheirismo, a ação de frutificar e dar novos frutos que irão fortalecer a Associação no seu objetivo maior que é a qualidade em qualquer dial radiofônico e cujo viés da harmonia seja o começo das curas nas áreas de conflito interior e que a raiva e nem a inveja e o orgulho venham empanar o écran positivo do rádio no Estado do Ceará. Um rádio de qualidade com profissionais usando a ética e libertando-se dos insanos palavrões, das megeras pornográficas, da luta desigual pela audiência, do jabá maldito e de outras nuanças que infelizmente não levará a nada. Nossos agradecimentos aos artistas da terra que brindaram o público com suas belas canções e em especial a Ismael Rabelo, Mazé dourado, mariana Brandão, Décio Brandão, Fátima Moraes. Avante amigos da Aouvir/Ce, que o mapa para a felicidade e para o sucesso esteja dentro de coração de cada um, e o que devemos fazer é a valorização do trabalho contínuo em prol do rádio e em benefício dos ouvintes desse invento tão maravilhoso.

ANTONIO PAIVA RODRIGUES-MEMBRO DA ACI-ALOMERCE E AOUVIRCE

Sobre o Autor

Sou Radialista, Jornalista com Curso Superior, Poeta, Escritor, formado em Administração(Gestor de Empresas), Bacharel em Segurança Pública, tenho livros publicados, Espírita praticante, Mestrando em telejornalismo, Coronel PM R/R, Acadêmico de Letras e Membro da Associação Cearense de Imprensa(ACI) e da AOUVIR/CE ( Associação dos Ouvintes de Rádio do Ceará).

MÍDIA

Detalhes dos fatos inseridos na mídia

Detalhes dos fatos inseridos na mídia

Por * Antonio Paiva Rodrigues • 21/06/08

Mídia designa de forma genérica todos os meios de comunicação; ou seja, os veículos que são utilizados para a divulgação de conteúdos culturais, informativos, de lazer, de publicidade e de propaganda.
A mídia tem o papel de manter a população informada. A população, por outro lado, não deve se colocar como mera receptora passiva daquilo que é veiculado pelos meios de comunicação. Para tanto, é necessário que cada pessoa exercite sua atitude crítica, filtrando as informações recebidas, questionando-as, fazendo um contraponto e buscando, na opinião pública, uma opinião própria, particular, com a qual se identifique e na qual acredite. Porém, o que normalmente ocorre é o oposto.
A mídia tende distorcer os dados e até mesmo descrevê-los incompletos. O público, de outro lado, acaba por recebê-los como descrição fiel da realidade. Essas nuanças nós, observadores, fazemos com destreza e não aceitamos qualquer simulação ou manobra que venha colocar em xeque a nossa opinião e nosso modo de pensar.
Alguns midiáticos gostam do sensacionalismo para chamar a atenção dos mais incautos através de seus “furos furados”. E tentam a todo custo angariar mais audiência para seu écran, mais ouvintes para sua emissora e mais jornais vendidos. Na área de drogas isso é bem visível. Há uma tendência a se abordar questões ligadas ao tráfico, à dependência e às drogas ilícitas.
É claro que estes pontos devem ser discutidos, mas não como únicos e mais importantes, uma vez que o fenômeno das drogas não se resume a isto. Neste caso, é importante que se reveja a dimensão do assunto e a complexidade de fatores nele envolvidos, evitando-se posições unilaterais, bem como formas de abordagem com manchetes e reportagens de cunho alarmistas e sensacionalistas.
O uso indevido que a mídia faz dos dados que obtém, revela uma preocupação muito mais voltada para a venda e a audiência dos veículos, do que para o repasse fidedigno das informações. Preferem a violência desenfreada, os descasos das polícias e encobrem irregularidades de determinados doninhos da terra onde a mídia está presente. Podemos chamar de protecionismo com certeza.

A INVENÇÃO DO RÁDIO

A INVENÇÃO DO RÁDIO

A INVENÇÃO DO RÁDIO

A invenção do rádio é creditada ao inventor e cientista italiano Guglielmo Marconi, nascido em 1874 na cidade de Bolonha. Desde menino demonstrando interesse pela Física e Eletricidade, Marconi foi o primeiro a dar explicação prática aos resultados das experiências de laboratório anteriormente realizadas por Heinrich Hertz, Augusto Righi e outros. Pelos resultados dos estudos de Hertz, Marconi concluiu que tais ondas poderiam transmitir mensagens, e, assim, em 1895, fez suas primeiras experiências, com aparelhos rudimentares, na casa de campo de seu pai. Conseguiu fazer chegar alguns impulsos elétricos a mais de um quilômetro de distância. Observou, também, que elevando a altura das antenas, alcançava maior distância. Não tendo apoio do governo italiano, foi para Inglaterra, em 1896, onde obteve a primeira patente para o seu telégrafo sem fio devido aos interesses comerciais dos ingleses, já que através desse invento poderiam alcançar navios cargueiros afastados da costa.
Após essas experiências, Marconi foi convidado pelo governo italiano a regressar ao seu país, onde instalou uma estação em Spezia para comunicação com navios de guerra, alcançando, então, 20 quilômetros de distância. Marconi recebeu o Prêmio Nobel de Física juntamente com Karl Ferdinand Braun, em 1909. A primeira irradiação musicada foi feita em 1920, e, em setembro de 1922, conseguiu pela primeira vez, na Inglaterra, alcançar a Austrália, também com o emprego se transmissão por centelha (timed spark system). Em 12 de outubro de 1931, comprimindo um botão em Roma, Marconi transmitiu sinais de rádio que ligaram o comutador geral da iluminação do monumento do Cristo Redentor, erguido no Alto do Corcovado, no Rio de Janeiro. Marconi morreu em Roma em 1937.


ROQUETE PINTO - O Pai do Rádio no Brasil

Conhecido como um dos principais antropólogos do Brasil, Edgard Roquete Pinto, "o pai do rádio" no País, demonstrou grande interesse em relação aos meios de comunicação, em especial ao rádio. Em situação embrionária no Brasil, Roquete previu imediatamente o seu uso como um difusor de cultura popular. O sucesso da primeira irradiação no Brasil, em 1922, durante as Comemorações do Centenário da Independência, realizada no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, transmitindo o discurso do então presidente Epitácio Pessoa, foi a gota d´água para os planos da primeira emissora brasileira, embora na cronologia da comunicação eletrônica de massa brasileira o surgimento do rádio no Brasil é marcado com a fundação da Rádio Clube de Pernambuco por Oscar Moreira Pinto, no Recife, em 6 de abril de 1919. Em 1923, vários aparelhos de recepção instalados no Rio de Janeiro receberam os primeiros sons e vozes dos discursos de inauguração da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Seu criador, Roquete Pinto, havia dado o primeiro grande passo para a efetivação de um projeto cultural. Rapidamente, diante da concorrência surgida entre as emissoras, a evolução tecnológica ampliou-se e, na década de 30, os estúdios começaram a abrir as suas portas para o público. Rompia-se, então, o elitismo existente até então. Em 1934, com a crescente necessidade de formação de pessoal para atuar dentro das emissoras, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, pioneira, transformou-se na Rádio Municipal do Rio de Janeiro, conhecida como Rádio Roquete Pinto. De norte a sul do Brasil, as rádios começaram a influenciar o modo de vida das pessoas, lançando ao estrelato grandes nomes da música, como Francisco Alves, Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Silvio Caldas, Dóris Monteiro etc.

O pós guerra foi marcado pelos concursos de "rainha" e "rei" do rádio, destacando-se nesse período a cantora Dircinha Batista, que ganhou o título a partir de 1948, mantendo-se por 11 anos. Estes concursos cativaram ouvintes, que formaram fãs-clubes para as eleições anuais de seus ídolos.
Foi na década de 50 que o esporte ganhou adeptos pela a irradiação de jogos de futebol, principalmente em épocas de Copa do Mundo. Muitos "speakers" (locutores) tiveram seus nomes vinculados ao esporte, como Geraldo José de Almeida, Oduvaldo Cozzi, Pedro Luis, Jorge Curi e Paulo Planet Buarque. Uma pesquisa realizada em 1955 estimava em 477 as emissoras de rádio existentes e aproximadamente meio milhão de aparelhos receptores. Esses números vinham ao encontro do pensamento quase profético de Roquete Pinto de popularização do meio de comunicação rádio.


A VERSÃO DE UM BRASILEIRO


A história da invenção do rádio passa pelo Brasil através da figura do padre gaúcho Roberto Landell de Moura, nascido em Porto Alegre em 1862. Ele desenvolveu um aparelho que transmitia e recebia a voz humana sem a utilização de fios condutores. Sua primeira experiência aconteceu em São Paulo, em 1893. O sucesso do feito colocou em xeque sua sanidade mental diante de seus superiores. Sete anos depois, Landell de Moura consegue a patente brasileira de seu invento. Em 1901, sem apoio das autoridades brasileiras, embarca para os Estados Unidos onde patenteia o telégrafo sem fio, o telefone sem fio e o transmissor de ondas. Após três anos no exterior, Landell de Moura volta ao Brasil e solicita ao então presidente Rodrigues Alves a liberação de dois navios para demonstrações com seu telégrafo sem fio. Taxado de louco, teve seu pedido negado. Regressou ao Rio Grande do Sul, morrendo aos 66 anos de idade na cidade de Porto Alegre em 30 de junho de 1928.




A Radionovela “Em Busca da Felicidade”


O dia 5 de junho de 1941 ficou na história do rádio brasileiro como a data mais importante do rádio-teatro. Exatamente às dez e meia da manhã, Aurélio Andrade anunciou ao microfone da Rádio Nacional do Rio de Janeiro:
"Senhoras e Senhores, o famoso Creme Dental Colgate apresenta... o primeiro capítulo da empolgante novela de Leandro Blanco, em adaptação de Gilberto Martins... EM BUSCA DA FELICIDADE". Um vento de emoção varreu o país de norte a sul. Era a primeira autêntica história seriada radiofônica, que haveria de durar 2 anos e que marcaria uma época, assinalando novos rumos, abrindo novos horizontes, expandindo negócios e as oportunidades artísticas brasileiras e que perduram até hoje nas novelas televisadas. Alguns artistas dessa rádio-novela fizeram carreira na TV e no cinema, como Rodolfo Mayer e Brandão Filho.
Veja abaixo nos mostra os principais atores e responsáveis pelo sucesso de EM BUSCA DA FELICIDADE. Está faltando, porém, uma foto importante: a de Gilberto Martins, que foi o adaptador do texto e o introdutor da novela no Brasil. A ele, também, a nossa homenagem.

Rodolfo Mayer é Alfredo Medina, proeminente engenheiro que divide seu coração entre Anita, sua esposa e Carlota, sua amante.

Zezé Fonseca é Anita de Mantemar, esposa de Alfredo Medina. Sofre o drama de ter de dividir com Carlota o amor de seu marido.

Isis de Oliveira é Alice Medina, filha de Carlota com Alfredo Medina e que foi criada por Anita como filha adotiva.

Floriano Faissal é o Dr. Mendonça, médico de grande fama e amigo do casal Alfredo-Anita, e que tudo faz para manter a harmonia entre os dois.

Yara Sales é Carlota Morais, vítima de um destino cruel e caprichoso, mãe verdadeira de Alice e caso amoroso de Alfredo Medina.

Lourdes Meyer é Constança, esposa de Fonseca e mãe de Carlos. Procura impedir o casamento do filho com Alice.

Saint Clair Lopes é Benjamim Prates de Oliveira, o português que se apaixona por Carlota e com ela se casa, mas sofre de angústias de saber que a mulher ainda ama Alfredo.

Brandão Filho é Mão Leve, o ladrão que rouba uma jóia de Carlota e na prisão acaba se tornando amigo de Benjamim Prates e é por ele protegido.

Victor Costa foi o responsável pela execução do Rádio Teatro Colgate. A novela lhe deve grande parte do seu sucesso.

Maria Helena era a locutora e narradora que relembrava os acontecimentos dos capítulos anteriores da novela, e remarcava os argumentos que justificavam o prestígio dos produtos Colgate.



Humorismo

Com o êxito do radioteatro, que era dirigido por Victor Costa, a Rádio nacional colhia mais uma vitória espetacular em sua longa trajetória de realizações agigantadas. Lançaria então, os mais variados tipos de programas, da Música Sinfônica ao Humorismo, dos "Grandes Festivais de Música" à "PRK-30" (Lauro Borges e Castro Barboza) e ao "Balança... Mas Não Cai", (Max Nunes) - programas esses que eram com textos ricos em humor.

BALANÇA-MAS-NÃO-CAI

O programa Balança-Mas-Não-Cai, veiculado pela Rádio Nacional, e depois exibido pela TV Globo, tinha no quadro Primo Rico Primo Pobre uma das maiores audiências da época. Com texto de Paulo Gracindo, tinha a interpretação de Paulo Gracindo (Primo Rico) e Brandão Filho (Primo Pobre). O Balança foi o primeiro programa de humor a utilizar quadros isolados sem nenhuma interligação. O único elo entre eles era o próprio edifício onde se desenrolavam as cenas. Apresentava um humor de características bem cariocas, mas acabou impondo em quase todos os grandes centros radiofônicos do país.


POSTADO POR ANTONIO PAIVA RODRIGUES

PRÉDIO ONDE FUNCIONOU A RÁDIO UIRAPURU

Radiojornalismo cearense nos anos de chumbo: Rádio Uirapuru e a censura de 1968 Ana Karine Zaranza

Radiojornalismo cearense nos anos de chumbo: Rádio Uirapuru e a censura de 1968
Ana Karine Zaranza

Resumo:

O presente trabalho é parte da pesquisa História e Memória do Rádio Cearense, desenvolvida na Universidade de Fortaleza, (UNIFOR). Ele destaca a presença da censura dos órgãos federais à programação jornalística da Rádio Uirapuru em 1968, ano da instauração do Ato Institucional n° 5. A metodologia empregada é da história de vida de jornalistas que trabalharam na emissora durante esse período, e da pesquisa bibliográfica. Dadas as características do meio rádio não existe registro ou qualquer prova documental sobre o tema, sequer nos arquivos da Polícia Federal local. As falas dos informantes apontam para uma censura explicita por parte do Governo, perseguição, ameaças e prisões de radialistas, culminado com o fechamento temporário de uma emissora local, por ordem da ditadura militar. O artigo objetiva explicitar: Como os radialistas lidaram com a censura? Que tipo de resistência empreenderam? Qual a visão que eles têm hoje sobre os fatos vivenciados?


Palavras-chaves: memória, radiojornalismo, AI-5


O Ceará guarda em sua memória histórias de lutas, como a confederação do Equador, o embate entre os índios e os portugueses, a relação dramática do sertanejo com a seca; irreverências como a vaia dada ao sol em plena Praça do Ferreira, quando do seu reaparecimento após três dias de chuva, a eleição do bode ioio, as idéias visionárias, como a Abolição da escravatura, o humanismo do movimento que se denominou Padaria Espiritual, entre outras. Historias de vida de Joãos, Marias, Josés, Bárbaras, Iracemas vão constituindo nossa história, a do povo cearense.
“A cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.” (Cabino,1990, p.14).

Esse trecho do livro As Cidades Invisíveis mostra a relação entre a cidade e a história, apontando a cidade como um lugar de memória. É por isso que os monumentos são criados pela mão do homem com a finalidade de conservar sempre viva e presente a lembrança de determinada ação ou existência. Mas e a memória imaterial? Tudo aquilo que se sedimenta nas rotinas diárias, no modo de fazer e ser da coletividade, nos rituais e mitos que constituem o imaginário social? Recuperar esta memória é uma tarefa ainda mais árdua pois a nossa relação com o passado é problemática, (BENJAMIN, 1983) ela vagueia entre lembranças, esquecimentos, silêncios, sombras, “o dizível” e o “não dizível”.
O depoimento é o instrumento pelo qual a memória se expressa e ela só tem sido em relação a um grupo porque a memória é um ato coletivo. No entanto, a memória coletiva depende das memórias individuais para existir. É por isso que as histórias de vida de cada sujeito é importante para a construção de uma “história maior”.
A história de vida é a metodologia de eleição para trabalhar a categoria memória. Maria Izaura Pereira de Queiroz (1988), assim a define: “O relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (QUEIROZ, 1988, p.20).
É essa memória cearense que queremos resgatar por meio da história e memória do rádio cearense, especificadamente da Rádio Uirapuru no ano de 1968. O período de 1964 a 1983 foi marcante para todo Brasil. Ocorreram mudanças econômicas, políticas e sociais decorrentes do golpe militar que originou o regime político denominado de Revolução de 31 de março para os dominadores e ditadura militar para os oprimidos. O ano de 1968 foi, o de maior efervescência política e de repressão. Foi nesse ano que o governo Costa e Silva editou o Ato Institucional no 5 , AI-5, que tornou o regime ainda mais repressor. O ato fechou o Congresso, instaurou inquéritos militares sigilosos, além de mobilizar um aparato de forças repressoras para fazer frente a “um processo de guerra revolucionária”. O AI-5 apresentou-se como uma medida permanente, ao contrário do caráter provisório dos demais atos institucionais, vindo a ser revogado 11 anos depois.
A história do rádio no Ceará começou com a Ceará Rádio Clube em 28 de agosto de 1931 em Fortaleza.Em 1932 a rádio iniciou suas atividades com o prefixo PRATT. Só depois, ela passou ater o prefixo PRE-9. João Dummar, o dono da Ceará Rádio Clube, trouxe, segundo João Dummar Filho(2004), grandes estrelas nacionais e internacionais para cantarem e tocarem em sua emissora.
A compra do mais moderno transmissor de ondas curtas, a instalação dele e a montagem do novo estúdio no edifício Diogo foram comemorados com festa, segundo João Dummar Filho (Dummar Filho, 2004:53-55). Em 1941 foram inaugurada as novas instalações da rádio, que se tornou a terceira emissora de ondas curtas do Brasil. Segundo Vasconcelos (2004), essa mudança ocorreu devido a concorrência da Rádio Iracema.
Em 1944, a PRE-9 passa para as mãos de Assis Chateaubriand, o dono do império dos Diários Associados. A compra fortaleceu seus negócios e se deu devido a então legislação que não permitia a posse de meios de comunicação a estrangeiros. E como João Dummar era sírio e chegou aos sete anos em Fortaleza, foi obrigado a vender sua emissora ao empresário.
Os grandes nomes locais eram Aderson Brás, Narcélio Limaverde, Irapuan Lima, José Limaverde, Mozart Marinho, Iracilda Gondim, Cid Carvalho, Blanchard Girão, entre outros.
A rádio Iracema de Fortaleza foi instalada em 9 de outubro de 1948, sendo a segunda emissora cearense. Seus funcionários, José e Flávio Parente e Dr. José Josino da Costa, faziam parte do mesmo grupo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Instalada no edifício Vitória e depois no Palácio Guarany. Segundo Cid Carvalho, a Rádio Iracema virou escola, “servindo de berço para o nascedouro de outra emissora, a Rádio Uirapuru”.( Revista de Comunicação Social- ANO, p.25)
A terceira estação de rádio cearense, também conhecida como a “Emissora do Pássaro” foi inaugurada por José Pessoa de Araújo e Aécio de Borba Vasconcelos e era conveniada com Mayrink Veiga e com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O destaque na programação era o jornalismo e o esporte.
“A Uirapuru tinha um canto diferente das demais”. Revolucionou a forma de fazer o rádio local com as transmissões de futebol, reportagens, jornais e boletins que entravam de hora em hora. Segundo Cid Carvalho, o jornalismo era “a menina dos olhos” de Afrânio Peixoto, diretor da divisão especializada. Por isso, a equipe de profissionais “era de altíssima competência, vindos das redações de jornais da capital e até de outros estados”. Foi assim que surgiu a primeira rádio que teria o cunho essencialmente jornalístico. Carlos Alberto, Palmeira Guimarães, Sérgio Reis e Cid Carvalho são alguns dos nomes dessa emissora.
A Rádio Dragão do Mar entrou no ar no dia 25 de março de 1958, fundada pelo Partido Social Democrático (PSD). Tinha sua linha jornalística e política forte na programação e caracterizada como de oposição ao governo. Como o PSD não tinha mais meios de sustentar a emissora, ela passou para as mãos de Moysés Pimentel, continuando com a mesma linha. “Seria Rádio Dragão do Mar, a começar pelo nome, uma emissora diversa das demais. Mais política, mais polêmica, preocupada com o interior do Estado e em emitir opiniões” (CARVALHO, ANO, p.30). Em 1964, em decorrência do Golpe Militar, a Rádio Dragão do Mar fechou por alguns meses, voltando ao ar sob nova administração e com sua “visão e atuação política descaracterizada”.
Márcia Vidal (2000) aponta como importante o papel que o rádio desempenhou no período do golpe militar de 1964. Imediatamente após o fato veículo difundiu “por um curto espaço de tempo, uma discussão de resistência do movimento popular e convoca a população a defender a democracia e o presidente eleito”.
As relações de poder sempre determinaram a direção da política e nesse momento histórico estavam em jogo grandes interesses econômicos e ideologias de caráter conflituoso, o que fazia da mídia, (o jornal, a televisão e também o rádio), elemento chave, para a propaganda ideológica do poder dominante. O rádio sempre exerceu e continua exercendo grande fascínio entre os políticos. Getúlio Vargas foi o primeiro político brasileiro que percebeu a força do rádio e o vê como um instrumento de integração nacional e de um meio de divulgar os feitos do presidente e exaltá-lo. Criou o Departamento Oficial de Propaganda, (DOP), e posteriormente o Departamento de Imprensa e Propaganda, (DIP). Em 1934 surge a Voz do Brasil, que se tornou um instrumento do Estado para estreitar a relação das classes trabalhadoras e o Governo. Em 1936 surge a emissora que se tornou modelo para todas as outras e que até hoje é lenda, entra no ar a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ela conseguia fazer seu sinal chegar a todo o território brasileiro, assim como na América do Norte, na Europa e na África.
A censura é entendida aqui como conceitua KHEDE.
“A existência da censura está presa á produção e reprodução de uma realidade simbólica indissociável de sua função política. Todo censor trabalha sob a ótica do seu ser social, isto é, o que ele representa na sociedade. Portanto, ele está sempre defendendo aquela classe social á qual pertence em detrimentos das outras.” ( KHEDE, 1981:47)
Na época, a censura acontecia não só nas emissoras de rádio e nas redações como ressalta Silva (1992, as companhias de teatro viam-se cerceadas por quatro tipos de censura: auto censura; a falta de apoio e verba, fazendo-as falir; agressão física e a censura propriamente dita.
Segundo Márcia Vidal Nunes, Vargas tentou controlar o rádio de outras formas além da censura. “Como na Alemanha, o controle do rádio no Brasil foi além da censura. Getúlio resolveu assumir o comando da principal emissora de rádio do país”. Em 1940 a rádio Nacional foi encampada pelo Estado ( Nunes, 2000:59).
As razões da relação da preferência da política, ou dos políticos pelo veículo rádio nós as encontramos em Ortriwano:
Meio de comunicação com grande poder de penetração entre as massas, muito cedo o rádio e a política se uniram, com objetivos de doutrinação ideológica. E o rádio conseguiu servir aos interesses políticos com “maquiavélica” eficiência. (ORTRIWANO, 1985, p.60)

Para a autora, a influência política visa garantir a adoção por parte das empresas de rádio e televisão de uma linha mantenedora do status quo do grupo dominante. E esse controle é feito por medidas que vão desde a censura à violência física, ações jurídicas, ameaças, etc. É essa relação entre as formas de controle e a atividade jornalística da Rádio Uirapuru em 1968 o foco principal desse trabalho.
Para o jornalismo, 1968 foi um tempo especialmente difícil, o primeiro ano da instauração da censura prévia pelo Governo Federal. A liberdade de expressão passava, a partir dali a ser engavetada. Especificamente no radiojornalismo cearense e principalmente nos programas jornalísticos da Rádio Uirapuru a censura se fez pela intimidação da força presente. No relato do radialista Cid Carvalho, em entrevista concedida à equipe da Pesquisa História e Memória do Rádio Cearense, ele afirma:

“E u mesmo nunca sofrí censura nenhuma. Só depois, que durante os anos da “Revolução” fiz o noticiário com as forças armadas dentro do estúdio da rádio. Mas, nunca tive medo não.” ( CARVALHO, 2004)

Segundo Carvalho, na revolução existia a censura prévia.
“Eles ligavam para a rádio a qualquer hora do dia. Eles diziam que eu tomasse cuidado, perguntava se eu sabia o que estava fazendo. Isso pra mim é pior que a censura mesmo”. ( CARVALHO, 2004)
Ele conta que as restrições eram impostas pela polícia a mando do Estado porque os donos da emissora eram os maiores fãs dos programas jornalísticos. Apesar da instauração da censura prévia, existia uma resistência por parte dos profissionais de imprensa. Isso se prova pelas inúmeras vezes em que foram presos. Cid Carvalho, por exemplo, foi preso mais de uma vez por desobedecer as ordens da Polícia Federal.
José Júlio Cavalcanti, diretor de produção da rádio Uirapuru, conta em entrevista à equipe da pesquisa em 2003 que Cid era parecido com o pai.
“Ele era um menino muito bom, inclusive, entro no rádio pelas minhas mãos. Mas, ele era inconformado. Um dia ele me ligou dizendo que tinha recebido uma carta do 10° Batalhão Militar impedindo de ir ao ar qualquer programação que não tivesse o visto da polícia.. Aí eu disse que ele fizesse um pronunciamento, contando que a rádio não iria transmitir a programação por está insatisfeita com a atual situação. Ele disse tudo isso e terminou, dizendo: ‘É censura minha gente, o nome disso é censura’.” ( CAVALCANTI, 2003)
O pai de Carvalho, segundo ele, foi preso na Ditadura de Vargas por fazer um discurso se posicionando contra a possível aliança com os facistas pudessem fazer com o Brasil. Foi perseguido, agridido e condenado a 25 anos de prisão. Com a Anistia, ele ficou só um ano preso. Mas a falta do pai foi muito marcante.
“ Eu e minha família não tivemos infância. Quando meu pai foi preso eu nasci. Então eu e meus irmãos não tivemos infância vivia,os sobressaltados, com medo”. (CARVALHO, 2004)
Cavalcanti também sofreu censura. A partir já de 964, ele foi perseguido, passou seis meses escondido em outro Estado. “ O que me revolta é que fui preso não por ter roubado, mas por ter defendido e não esquecido minhas idéias” ( CAVALCANTI, 2003). Ele conta o dia em que a Polícia o chamou para saber de uma declaração que tinha feito há 20 anos, em 1944.
“ Uma vez a 10° região militar me chamou para que eu confirmasse uma frase que eu fiz para um artigo há 20 anos. A frase dizia que uma das minhas maiores emoções que eu tive foi fazer uma transmissão ao lado de Prestes, o cavaleiro da esperança. Mas não deu em nada, eles arquivaram.” (CAVAQLCANTI, 2003)
Esses são relatos, muitas vezes emocionados que os radialistas que viram esse momento da história. É claro que dois deles, Cid Carvalho e José Júlio Cavalcanti, ainda é uma amostra pequena, contando com o universo de jornalistas e radialistas que a rádio Uirapuru abrigava naquele ano, de 1968. Mas o estudo ainda continuará. Apesar de que já podemos perceber que não só as rádios, como também companhias de teatro, jornais impresso e demais expressões culturais cearenses. Repetiu uma ação que ocorreu não só no Ceará, como nos demais estados do Brasil.
Em alguns momentos, os entrevistados dizem que não houve censura, mas imediatamente depois, citam momentos que sofreram o cerceamento da sua liberdade de expressão, como é o caso do Cid Carvalho.






Bibliografia:

BENJAMIN, W. O narrador: Observações sobre a obra de Nikolai Leskow. Trad. M. Carone. In: BENJAMIN, W.; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W.; HABERMAS, J. Textos escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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AS ONDAS CURTAS E O RÁDIO EM 1940

AS ONDAS CURTAS E O RÁDIO EM 1940

AS ONDAS CURTAS E O RÁDIO EM 1940

Izakeline de Paiva Ribeiro
RESUMO:

Este trabalho é fruto de um levantamento feito nos jornais “O Nordeste” e “O Unitário” da cobertura que a imprensa fez do rádio cearense na década de 1940. Escolhemos um fato considerado importante e significativo na história da radiodifusão cearense, a implantação das transmissões em ondas curtas pela Ceará Rádio Clube. As pesquisas foram realizadas no Instituto Antropológico, Geográfico e Histórico do Ceará e faz parte da pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense da Universidade de Fortaleza - Unifor.

Palavras- chave: Ondas Curtas, Radiodifusão, Jornais.


A década de 1940 no Brasil foi considerada “época de ouro da radiodifusão” (Ferraretto, 2001, p.112). Década que foi marcada pelo desenvolvimento de uma nova tecnologia que chega ao Ceará e chama a atenção de todos, a transmissão radiofônica em ondas curtas. A difusão através de ondas curtas pode ser entendida em parte como desenvolvimento que amplia a acessibilidade no espaço e no tempo. Os jornais, principal mídia da época, cobriram o evento apoiando e prestigiando o novo empreendimento, como observamos em algumas manchetes: “A grande festa de ontem na emissora cearense” (O Nordeste, 13.10.1941, p.1), “Magnífica festa radiofônica na inauguração da estação de ondas curtas” (O Unitário, 14.10.1941, p.8). No discurso de inauguração da nova tecnologia João Dummar ressalta:

E não é possível omitir também, pela sua significação, a cooperação valiosa e amiga da imprensa, por todos os seus diários e periódicos, sempre eloqüentemente favoráveis às realizações desta emissora para que ela se tornasse de fato a voz do Ceará para todo Brasil (Dummar Filho, 2002, p.58).

A população de Fortaleza ficava cada vez mais impressionada com a absorção de novas tecnologias em todas as atividades que mudaram a paisagem de Fortaleza em apenas três décadas, especialmente nos meios de comunicação. Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho sublinha como um tempo relativamente curto para tantas mudanças nos espaços da cidade, início da iluminação elétrica em casas comerciais e residências e introdução do bonde elétrico em 1913, construção de uma rede de água e esgoto finalizada em 1926, edificação do Excelsior Hotel (primeiro arranha-céu da cidade) em 1931, a primeira transmissão radiofônica em 1934, instalação da iluminação pública elétrica entre 1934 e 1935, inauguração da rede de telefonia automática em 1938, a construção dos cinemas Majestic Palace em 1917, Cine Moderno em 1921, Cine Diogo em 1940. E finalmente em 1941 a transmissão radiofônica em ondas curtas.
Em 1939 teve início a Segunda Grande Guerra Mundial que só viria a terminar em 1945, tomando metade da década de 1940. Esse fato trouxe fortes influências internacionais. Com o objetivo de atrair parceiros na guerra, os Estados Unidos utilizando a política da boa vizinhança aproveitou a abertura do Estado Novo para disseminar a cultura norte-americana no Brasil, como afirma Luiz Artur Ferraretto:

Fica facilitada, assim, a penetração cultural norte-americana, com o star system hollywoodiano ganhando um sucedâneo nacional nas grandes emissoras radiofônicas, na indústria fonográfica e nos estúdios cinematográficos de Cinédia e da Atlântida.
(Ferraretto, 2001, p.112).

A época de ouro do rádio caracterizou-se por uma programação voltada ao entretenimento, predominavam os programas de auditório, radionovelas e humorísticos (Ferraretto, 2001, p.112). Esta influência está presente na programação de inauguração das novas instalações da PRE-9, no dia 12 de outubro de 1941, a terceira emissora de ondas curtas do Brasil. O que representou “um grande passo para o Ceará” (Dummar Filho, 2004, p.55). A cerimônia de inauguração começou às 10 horas da manhã com a presença das principais autoridades da cidade, como noticia o jornal “O Nordeste”:

Pela manhã às 10 horas, Mons. Otávio de Castro, administrador apostólico da Arquidiocese, benzeu o edifício e as instalações técnicas do Tauape, cerimônia que se repetiu no estúdio localizado no Edifício Diogo. Estiveram presentes a todos os atos o Sr. Interventor Federal, Dr. Menezes Pimentel, secretários de Estado, o Diretor Regional dos correios e telégrafos, prefeito da capital, autoridades eclesiásticas, civis e militares (O Nordeste, 13.10.1941, p.1).

Após os pronunciamentos, a programação musical foi aberta pelo maestro, recentemente contrato, Ercole Vareto, com um repertório clássico. Na seqüência, artistas apresentaram suas músicas, entre eles Orlando Silva, que desfilou em carro aberto desde o campo de pouso no Bairro Alto da Balança até chegar ao Hotel Excelsior, onde vários admiradores o aguardavam. O cantor teve uma participação de duas horas cantando no microfone da PRE-9. Naquele dia foi concretizado “o sonho de João Dummar de levar arte e música aos lares de todos os cearenses” (Dummar Filho, 2004, p.58). Objetivo que segundo o jornal “O Unitário” parece ter sido alcançado:

Verdadeiro primor de arte e bom gosto, a programação radiofônica que se seguiu as solenidades realizadas pela manhã constitui uma nota de destaque na vida artística da cidade. O programa, já pelo mérito das produções escolhidas, já pela excelência da execução por parte dos artistas, agradou plenamente, correspondendo à expectativa do grande público ouvinte (O Unitário, 14.10.1941, p.8).

A festa radiofônica foi amplamente coberta pela mídia da época. No jornal “O Nordeste” foi divulgado a programação da festa no dia anterior, 11 de outubro, e uma matéria no dia seguinte, 13 de outubro. Já o jornal “O Unitário” publicou matérias nos dias 12, 14 e 15 de outubro. Os jornais ao mesmo tempo em que davam importância aos fatos relacionados ao desenvolvimento, externavam também uma preocupação com a “ineducação social” que poderia se tornar um entrave para a modernidade (Silva, 2002, p.20). Segundo Jane D. Semeão e Silva, a modernidade e o desenvolvimento marcou a capital cearense por duas temporalidades conflitantes. A primeira diz respeito à sua progressiva expansão e modernização, a segunda corresponde às condutas e costumes de seus habitantes. Pois a cidade estava se desenvolvendo rapidamente e aos olhos dos articulistas da época, a população não estava acompanhando os acontecimentos, não estava sabendo como se portar diante das novas tecnologias, e até mesmo poderia estar perdendo valores importantes para a época.
Entre os jornais estava “O Nordeste”, amparado pela Arquidiocese de Fortaleza, era uma publicação religiosa, que segundo Geraldo Nobre começou suas atividades como um órgão genuinamente católico, no dia 29 de junho de 1922. A religiosidade é marcante nas páginas do jornal, observada nas notícias sobre eventos da Igreja Católica e em artigos nos quais eram passados conselhos às mulheres e jovens. O jornal não deixou de divulgar os avanços tecnológicos, mas através de artigos deixava clara a posição da igreja, e até mesmo nos anúncios dos filmes em cartaz nos cinemas, advertia quem poderia assistir aos filmes. O discurso moralista da Igreja Católica faz parte do jornal atingindo um grande público, já que em 1940 a maior parte da sociedade em Fortaleza era formada por católicos (Silva, 2002, p.22).

Não é que se recuse o progresso e se ponha à margem o que nele há de aproveitável e, mesmo de necessário. Mas é que a sabedoria está em conciliar a tradição com a inovação, em adotar as reformas sem prejuízo dos costumes vigorantes, que não merecem ser abandonados... (O Nordeste, 09.05.1940, p.4).

Portanto, era importante ter a Igreja Católica como aliada para o progresso da radiodifusão cearense acontecesse de fato. Entre as principais autoridades, convidadas para inauguração, estavam às pessoas mais importantes da Igreja com a pretensão de facilitar o contato com a sociedade católica e tradicional da época. A abertura das comemorações foi realizada exatamente pelo Monsenhor Otávio de Castro, administrador apostólico da Arquidiocese de Fortaleza, benzendo o edifício e as instalações técnicas.
Outro jornal em destaque é “O Unitário” que segundo Geraldo Nobre, se firmou em 1938, e foi adquirido em 1940 pelo grupo “Diários Associados” de Assis Chateaubriand. Embora não tivesse um discurso permeado pelo pensamento religioso, não deixava de ter em suas páginas artigos sobre o fato de a população não está acompanhado o desenvolvimento. Como em um artigo no qual o autor fala sobre o comportamento dos fortalezenses no Cine Diogo:

Dói a constatação de semelhante atraso, que põe indisfarçáveis laivos de provincianismo em nosso progresso urbano. Fortaleza evolui materialmente, mas no que tange a educação pública aferrou-se a uma irredutível posição estacionária (...) Impõe-se uma revisão dos nossos costumes (O Unitário, 11.03.1943, p.4).

É nesse contexto de contradições e costumes em conflito que a transmissão em ondas curtas chega à Fortaleza. Em seu discurso na inauguração, João Dummar falou sobre os problemas de saúde que enfrentou e que o deixou internado por 14 meses em um hospital no Rio de Janeiro, e afirmou como ficaria feliz se no leito do pudesse ouvir a voz do Ceará, o que o faria sentir de mais perto o interesse que o povo cearense tinha pela sua recuperação. “O que não daria eu para, naquele transe, escutar o nosso querido Ceará” afirmou João Dummar. A voz do Ceará poderia agora ser ouvida em vários lugares do Brasil e do Mundo através das transmissões em ondas curtas. Os desejos, os sonhos, a cultura cearense chegaria aos mais distantes lugares, além de trazer conhecimento para o povo cearense, esse era o objetivo de João Dummar. (...) que fizesse ouvida pelo Brasil, de norte a sul, e até mesmo no exterior; a voz confiante do Ceará, que vibra com o Brasil em todos os momentos de reconstrução, de desenvolvimento, de realização, pelo bem da coletividade (Dummar Filho, 2004, p.56).
Enquanto isso em outros países (Estados Unidos, Itália, Alemanha, Inglaterra etc) a tecnologia de ondas curtas era utilizada para divulgação de seus pensamentos políticos e de sua cultura em outros países com o objetivo de alcançar aliados internacionais. Segundo Armand Matterlart (1994), eram produzidos programas em várias línguas para que os países pudessem atingir seus objetivos.
Percebemos o que John B. Thompson (1995) chama de transmissão cultural, a troca de formas simbólicas entre produtores e receptores. As formas simbólicas são fenômenos sociais significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas audiovisuais e obras de arte. Era o que pretendia João Dummar, além de trazer cultura e arte para a população cearense, para ele era importante que o Ceará também pudesse falar ao mundo. Thompson (1995) distingue três aspectos da transmissão cultural: meio técnico de transmissão, o aparato institucional de transmissão, o distanciamento espaço- temporal. Vamos considerar os três aspectos colocados por Thompson observando a tecnologia de ondas curtas em Fortaleza, examinando assim, a emergência e o desenvolvimento do rádio no Ceará.
O rádio, neste trabalho, representa o meio técnico, ao qual Thompson (1995, p. 221) atribui o grau de fixação que varia de acordo com os mecanismos de estocagem de informação, o que na década de 1940 ainda era muito difícil para o veículo. Os programas eram ao vivo, e sem possibilidade de gravação, portanto a fixação da informação ficava por conta da linguagem radiofônica cultivada na época. Mas há possibilidade da reprodução de formas simbólicas como a música, que na época já havia produção de discos. Outra atribuição ao meio técnico que podemos aplicar ao rádio refere-se à amplitude da participação que ele permite, ou requer, dos indivíduos que o empregam como meio. O rádio não necessita que seus ouvintes precisem utilizar de diferentes habilidades, faculdades e recursos. Assim o rádio tem possibilidade de atingir um número de pessoas bem maior que um jornal, pois o número de pessoas que não sabia ler era grande, além da possibilidade de abrangência que o rádio possui.
Segundo Thompson (1995, p. 224), além do meio técnico, a troca de formas simbólicas muitas vezes envolve um aparelho institucional de transmissão, um conjunto específico de articulações institucionais dentro das quais o meio técnico é elaborado e os indivíduos envolvidos na codificação e decodificação das formas simbólicas estão inseridos. Antes da inauguração das novas instalações da PRE – 9 / João Dummar contratou o radialista Dermival Costalima como diretor artístico. Havia também os locutores (speakers), o cash formado pelos atores e atrizes que trabalhavam nos radioteatros e radionovelas. Segundo Eduardo Campos, alguns dos principais nomes era João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral, Cabral de Araújo, José Lima Verde e Silva Filho, “todos expressivos locutores desses anos de ouro da radiofonia cearense (Campos, s.d., p.13)”. Outras instituições também tinham participação, a presença da igreja, dos políticos da época, da imprensa, todas essas autoridades compareceram à inauguração das novas instalações, e os principais representantes tiveram oportunidade para discursar ao microfone da PRE – 9.
O terceiro aspecto considerado por Thompson (1995, p.225) é o distanciamento espaço-temporal. Esse distanciamento é percebido na difusão radiofônica, visto que o receptor da mensagem está significativamente distante do produtor, do emissor da forma simbólica. A difusão através de ondas curtas pode ser entendida em parte como desenvolvimento que amplia a acessibilidade no espaço e no tempo.

No desenvolvimento histórico dos meios técnicos, esses vários aspectos e atributos estão combinados de maneira tal que forma modalidades específicas de transmissão cultural. O desenvolvimento (...) das redes de difusão de rádio (...) são exemplos de emergência de modalidades de transmissão cultural (Thompson, 1995, p.227).

As novas instalações de ondas curtas na Ceará Rádio Clube gerou na sociedade fortalezense o que Thompson chama de impacto interacional dos meios técnicos. Embora os rádios receptores de ondas curtas fossem poucos na cidade, a idéia de que o Ceará naquele momento estava falando ao mundo era trabalhada no imaginário da população através dos jornais e do próprio rádio. A nova tecnologia possibilitou novas formas de interação, modificando ou diminuindo as velhas formas de interação. Segundo Thompson, essa possibilidade pode servir “para reestruturar relações sociais existentes e as instituições e organizações das quais elas fazem parte”. Fato observado na notícia publicada pelo jornal “O Unitário”:

A PRE-9 será um justo motivo de orgulho para o Ceará. E todo cearense amigo da sua terra há de ser por certo um colaborador expontâneo e entusiasta da grande obra radiofônica que se conclui em nossa capital. É verdadeiramente empolgante o trabalho de montagem do novo equipamento. Em Tauape, levanta-se uma grande obra que é bem um prodígio da técnica. Nos últimos andares do Edifício Diogo, ultima a instalação dos luxuosos estúdios. A PRE-9 será, positivamente, uma das primeiras emissoras sul-americana (O Unitário, 21/09/1941, p. 9).

O impacto interacional das transmissões em ondas curtas pode ser observado a partir de quatro aspectos abordados por Thompson (1995). Em primeiro lugar a nova tecnologia do implantada no rádio possibilitou a facilidade de interação através do tempo e do espaço. Em virtude do distanciamento espaço-temporal, comentado anteriormente, as ondas curtas promovem a interação entre as pessoas mesmo que ela não compartilhem a mesma situação espaço-temporal. Em segundo lugar, há uma mudança na ação para o outro que está distante. Com as transmissões em ondas curtas o Ceará estava falando ao mundo, os hábitos e costumes seriam divulgados para pessoas que não se podia imaginar. Chegando ao terceiro aspecto, no qual, as pessoas modificam suas ações em resposta ao outro desconhecido, localizado em um contexto físico distante. E por último, as transmissões em ondas curtas modificaram as maneiras como os fortalezenses agiam e interagiam no processo de recepção.
Com o advento da televisão e das outras novas tecnologias o rádio perdeu parte de um espaço que integralmente dedicado a ele pelo público. As transmissões em ondas curtas desde o começo sempre tiveram um custo muito alto, os equipamentos ficavam cada vez mais caros, a manutenção era dispendiosa. Em depoimento, Eduardo Campos afirma que as transmissões em ondas curtas foram mantidas por algum tempo pelo desejo dos donos da rádio, dos locutores que sentiam orgulho de está em uma emissora que transmitia para o mundo. Mas os patrocinadores não tinham interesse, pois na época havia dificuldades para exportar um produto do Ceará para a Europa, por exemplo.
A tecnologia de ondas curtas foi um importante passo para a radiodifusão cearense na década de 1940. Como afirma o radialista Narcélio Limaverde, “O grande acontecimento foi à inauguração de transmissores de ondas curtas”. Mas em 1944 João Dummar vendeu a PRE – 9 para o grupo Diários Associados. Segundo Dummar Filho, Assis Chateaubriand, dono dos “Diários Associados”, exerceu forte pressão para que João Dummar vendesse a Ceará Rádio Clube. Com a compra ele poderia fortalecer seu grupo de empresas que no Ceará já era dono dos jornais “O Unitário” e “Correio do Ceará”. Na época também a legislação vigente determinava que o controle das empresas de radiodifusão fosse exclusivo de brasileiros natos ou naturalizados, e João Dummar nasceu na Síria.
É importante o resgate da história da radiodifusão cearense, porque esse é o resgate da memória de uma sociedade, dos costumes, da cultura da época. E fazer uso dos jornais para esse resgate fortalece ainda mais os conhecimentos desses meios de comunicação e a influência que eles detiveram. Como Luiz Gonzaga Motta (2004) afirma “os jornais contam a história do presente”, embora pareça uma contradição, pois só percebemos a história de algo que já passou. Motta parte do pressuposto de que construímos o sentido do presente como uma história do passado, como uma continuidade entre o que está acontecendo e o que acabou de acontecer. Com o progresso das tecnologias de comunicação, entre elas a transmissão em ondas em 1941, a capacidade de observar cada vez mais longe e mais atrás o presente s torna uma realidade. O presente adquiriu um sentido histórico de passado. E passando os dias, os meses e os anos a história daquele presente se torna hoje o passado que desejamos resgatar para melhor viver na atualidade, com vistas a um futuro melhor.








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50 ANOS DE RÁDIO NO NORDESTE

O rádio dos anos cinquenta no Nordeste do Brasil: produtores e ouvintes em perspectiva

O rádio dos anos cinqüenta no Nordeste do Brasil: produtores e ouvintes em perspectiva

Profa. Dra. Roberta Manuela Barros de Andrade - Universidade de Fortaleza-Ce
Profa. Dra. Erotilde Honório Silva- Universidade de Fortaleza- Ce

O presente estudo é parte de uma pesquisa que reflete sobre os significados potenciais do rádio a partir de duas perspectivas distintas: a dos produtores do rádio nos anos cinqüenta e a de seus ouvintes no mesmo período, na cidade de Fortaleza, localizada na região Nordeste do Brasil. A pesquisa funda um espaço dialógico entre os sentidos potenciais do rádio naquele período e as transformações que a sua trajetória trouxe às percepções desses sujeitos que atualmente estão inseridos em um outro contexto sócio-político-econômico diferenciado daquele presente nos anos cinqüenta. A pergunta-chave que move este estudo é: como sujeitos sociais pertencentes a um mesmo contexto histórico, criam suas chaves de representação a partir da incorporação de um lugar social específico. Para materializar esta pesquisa, utilizamos a história de vida das comunidades interpretativas do rádio naquele período. Selecionamos para tal, vinte produtores e receptores daquela década, hoje entre 60 e 80 anos de idade. Este estudo está, pois, centrado nos mecanismos de construção da memória individual e coletiva mediados pela mídia.
Palavras-chave: rádio, memória, comunidades interpretativas, gerações.


O rádio dos anos cinquenta no Nordeste do Brasil: produtores e ouvintes em perspectiva

Erotilde Honório Silva
Roberta Manuela Barros de Andrade
Os caminhos percorridos

No Brasil dos anos 50, o rock e a Coca-Cola já haviam se incorporado à de vida de milhares de jovens que seguindo à moda, exibiam o topete, o rabo de cavalo, o sapato bicolor e a meia soquete. A revolução sexual comandada pela pílula anticoncepcional acirrava as discussões sobre o papel da mulher no espaço público e trazia sub-repticiamente uma nova realidade no interior das famílias. As mulheres se incorporavam lentamente ao mundo do trabalho em atividades nunca dantes imaginadas. A guerra do Vietnã sacudia o mundo numa avalanche de informações do além mar propiciadas pelo advento dos artefatos tecnológicos. Somados a esses eventos, havia o aumento da produção e consumo de bens e serviços que marcaram a ‘Idade da Inocência’ ou ‘Anos Dourados’, como ficou conhecida a década no Brasil.
Neste período, o rádio revolucionava a vida brasileira e vivia também a sua ‘época de ouro’. Os jingles, os reclames, os noticiosos, os programas de auditório traziam uma modernidade alicerçada na expansão do capital. Os seriados como "Jerônimo, Herói do Sertão" reatualizavam os protagonistas rurais para o dia-a-dia do receptor urbano e as radionovelas, como o ‘Direito de Nascer", resignificavam experiências emocionais no melhor estilo folhetinesco que passavam a se mesclar ao imaginário dos ouvintes, já fidelizados a este novo veículo de difusão da indústria cultural.
A importância do rádio na configuração desta nova sociedade é, enfim, indiscutível. No entanto, poucos estudos têm abordado as interações do rádio com a sociedade brasileira. Haussen (2001), em uma pesquisa recente, faz um levantamento das publicações científicas que trazem o rádio como temática central e reafirma ainda hoje o seu papel coadjuvante como objeto de estudo na academia frente aos outros meios de comunicação de massa como o jornal, a televisão, o cinema e recentemente, a própria internet. Mesmo quando o rádio é tema central dos estudos na área, a maior parte das abordagens se situa em pesquisas que dão conta de seu impacto, abrangência, produção e recepção apenas no eixo sul e sudeste do País, esquecendo que sua importância foi, e continua sendo, se não maior, mas de grande relevância nos universos regionais e locais mais distanciados dos grandes centros desenvolvidos do Brasil. É numa tentativa de dar conta deste vazio que entabulamos esta pesquisa. Um estudo de tal ordem se insere no que a literatura cunhou de história do cotidiano.
Como afirma Ludtke (1994), entende-se, aqui, que o termo história do cotidiano não se define unicamente por tentativas de considerar uma nova forma de pesquisa histórica e de escrita da história. Este trabalho se inscreve em uma empreitada mais global: trata-se de reajustar o olhar sobre as aquisições de uma época em um sentido que leve em consideração os significados potenciais do rádio em uma década específica, a de cinquenta, a partir da percepção de seus produtores e receptores em Fortaleza, capital do Ceará, estado do Nordeste do Brasil. A importância de uma pesquisa de tal ordem está não só na compreensão do rádio como uma mediação essencial para o entendimento do imaginário que constituiu uma dada época, mas também, para o desvendamento de sua interação com as rotinas diárias de seus produtores e consumidores.
Em geral, os estudos de comunicação em rádio contemplam primordialmente o próprio meio e suas especificidades, dando ênfase a seus conteúdos, às suas vinculações ideológicas, ao papel de seus produtores neste processo e deixam a descoberto as configurações de sentido produzidas quando os receptores entram nestas reflexões. Mesmo mais recentemente, quando os receptores são postos como elemento real em algumas pesquisas, eles quase sempre aparecem como uma equação isolada que não leva em conta sua interação com as formas de agir e pensar dos produtores. Assim, o pressuposto deste trabalho é a noção de que ainda que ocupem posições e locais diferenciados no jogo social, ambos - produtores e receptores, fazem parte de um mesmo processo de intertextualidade, pois, atuam como elementos indissociáveis no interior da cultura midiática.
A pergunta-chave que move este estudo é, pois, como sujeitos sociais pertencentes a um mesmo contexto histórico, criam suas chaves de interpretação a partir da incorporação de um lugar social específico. Essas negociações de sentido, ressaltamos, respondem a um sistema de práticas e crenças que regulam distintos âmbitos da vida cotidiana dessa comunidade. Para materializar esta pesquisa, nos baseamos em depoimentos das comunidades interpretativas do rádio naquele período. Selecionamos para tal, vinte produtores e receptores daquela década, hoje entre 60 e 80 anos de idade. Demos prioridade às falas dos receptores porque entendemos que estas têm, apesar dos avanços teórico- metodológicos da área , sido negligenciadas pela tradição nesta literatura. No entanto, devido ao espaço exíguo deste texto, sintetizamos suas falas em alguns depoimentos que melhor espelharam as ideias que desejávamos pôr em discussão. Este estudo está, pois, ainda centrado nos mecanismos de construção de uma memória individual e coletiva mediada pelos meios de comunicação de massa.
A partir das entrevistas com essa comunidade fomos encontrando pistas para compreender que confrontando ouvintes e produtores estávamos num campo de múltiplas interpretações que se opunha necessariamente à idéia de um difusionismo linear e causal. Percebemos nessa interação complexa de significações entre produtores e receptores que, se em determinados momentos, suas visões divergiram, na maior parte do tempo, se assemelhavam ou se completavam nos dando dados importantes para a percepção do que era a sociedade fortalezense daquele período.
Enfocamos para tal, alguns eixos temáticos como os usos diferenciados que homens e mulheres davam ao consumo do rádio; a interação doméstica que as radionovelas propiciavam às ouvintes daquele período; as distinções estabelecidas entre gerações na escuta radiofônica; as sociabilidades que os programas de auditório e os bailes dançantes proporcionavam aos ouvintes; as intertextualidades do rádio com as revistas de fofocas; as relações entre os noticiosos e a postura política dos produtores e finalizando, o impacto das propagandas como carro-chefe da inserção do capital em uma cultura ainda provinciana.

1. O Rádio é uma questão de gênero?

A percepção, difundida pelos produtores entrevistados para esta pesquisa, de que o hábito de escutar rádio nos anos cinquenta era uma atividade em família encontra variações entre os ouvintes de Fortaleza. Se o hábito de escutar rádio nos anos cinquenta acontecia em família, as audiências reunidas ao redor do aparelho eram primordialmente as femininas. A reunião para a escuta estava condicionada prioritariamente a uma questão de gênero. As mulheres costumavam se reunir para escutar seu programa predileto, mas o acompanhamento das audiências masculinas não seguia necessariamente este circuito familiar.

A maioria das pessoas passavam o dia escutando rádio, mas não se reuniam para isso. Abria ali, já ouvia, os que passavam ouvia, mas não se reunia para assistir, a não ser minha mãe e minha irmã que gostavam quando passou uma novela aqui chamada “Renúncia” e religiosamente, no horário da novela, me parece que era sete/oito horas da noite, estavam ali no pé do rádio para ouvir a “Renúncia”. (Nirez, 71, funcionário público).

Esta mesma questão de gênero se estabelece quando se trata da seleção para a escuta dos programas radiofônicos. As mulheres e crianças escutavam, em geral, as novelas e os programas de auditório. Os homens ouviam os noticiários, mas, compartilhavam também o gosto pelos programas de auditório. As expectativas, pois, dos ouvintes, seus níveis de atenção, seus quadros cognitivos e afetivos durante as emissões variavam, pois, em função da adaptação dos produtores aos gostos de gênero de seus ouvintes. A preferência dos homens pelos programas jornalísticos aparece com clareza no depoimento de Neide.

A transmissão chegava aos rádios e era uma chiadeira, falava um pedaço e cortava outro. Mesmo assim, a gente ia a todas as casas com aqueles rádios velhos e horrorosos ligados na Hora do Brasil, porque os homens, os senhores, gostavam de saber as notícias da política. (Neide Garcia, 61, professora aposentada).

O rádio já nascia, pois, segmentado, com uma programação destinada a reafirmar a divisão de papéis sociais entre homens e mulheres. A própria elaboração da memória da programação daquele período pelos ouvintes desta pesquisa se apresenta com uma seletividade que se apoia nesta divisão de gênero. Não é a toa que os homens contam em filigranas os elementos constitutivos das performances dos apresentadores daquele período bem como a forma de funcionamento dos noticiosos. Enquanto isso, as mulheres quase nada lembram dos noticiários daquele período, no entanto, contam os detalhes o processo de produção de uma radionovela. Aliás, de todos os programas veiculados naquele período, são as radionovelas os mais lembrados por todas as depoentes.
Eu me lembro, quando já era adulto, pouco depois da adolescência, 18/19/20 anos, existia, de manhã, um noticiário, “PRENOL”, que era apresentado por Gerson Braz e tinha um companheiro, que eu não me lembro quem era. Era Gerson Braz. Ele e outro apresentavam um noticiário. Um lia uma notícia e o outro lia outra. A rádio Iracema, quando entrou, também tinha esse mesmo estilo. Tinha o “Jornal Iracema” e, pela manhã, meio dia, de hora em hora, tinha um noticiário relâmpago de cinco minutos, notícias de hora em hora. Depois, tinha o noticiário da “Casa das Máquinas”, que era do José Nascimento, também era um noticiário, assim, de pouco tempo, de vez em quando entrava. Aí, ao meio dia, tinha um longo, que eu não me lembro. Às 6 horas da tarde tinha outro longo, mas à noite não tinha. (Nirez, 71,funcionário público)

As novelas não eram feitas na hora. Eram gravadas. Mostrava duas quengas de coco em cima da mesa, e dizendo “o fulano vem a cavalo” e eu ouvindo como era. O barulho da chuva, tudo isso já tinha gravado. Na hora que dizia que vinha o cavalo, se colocava a parte e tinha o diálogo. (Neide, 61, professora aposentada)

As radionovelas se apresentaram, de fato, neste período, como o carro-chefe da programação radiofônica. No Brasil, patrocinadas por fábricas de detergentes, produtos de beleza e higiene corporal, a radionovela aparece somente em 1941, pois só na década de 30, o rádio inicia seu percurso realmente comercial. Aqui, o caminho trilhado foi semelhante a outros países da América Latina. Estas surgem como um produto importado, o que significa no Brasil o reforço do padrão folhetinesco e melodramático cujo público alvo preferencial é a dona de casa.
Assim, como no resto da América Latina, o sucesso das radionovelas é imediato, o que fez aumentar desmesuradamente a sua produção. Entre 1943 e 1945, foram transmitidas 116 novelas pela Rádio Nacional. Na década seguinte, a Rádio Nacional chegou a apresentar 20 novelas, simultaneamente, em capítulos diários de meia hora. Como o rádio se popularizou durante toda a década de 40, o custo do aparelho se tornou bem mais acessível, facilitando a consagração da radionovela como um gênero efetivamente popular, o que não havia acontecido com seu antecessor, o folhetim.
Deste modo, na medida em que as radionovelas se consolidavam no gosto popular, foi pouco a pouco, se fazendo necessária a criação de equipes especializadas em sua produção. Se no início elas eram importadas, com o passar do tempo, começam a surgir os textos exclusivamente escritos por autores nacionais e, posteriormente, locais. Aqui, a primeira novela local estreou no início da década de cinquenta. Chamou-se Aos pés do Tirano, de autoria de Eduardo Campos, à época, diretor dos Diários Associados. A novela alcançou um índice de audiência não esperado pelos produtores e repercussão surpreendente nos meios impressos locais. As radioatrizes e os radioatores ostentavam status de verdadeiras estrelas, motivo de inúmeras reportagens nos jornais locais.

2. Radionovelas e Imaginário Social

As radionovelas incitavam a imaginação, propondo um lugar específico para a fantasia. Os efeitos especiais, a interpretação do artista, o seu timbre de voz, tudo isso iria construir um imaginário peculiar que se adaptava perfeitamente à ordem melodramática. As novelas davam suporte à imaginação e criavam mundos próprios, alicerçados nos cânones do imaginário já devidamente incorporado da regra culta, nos romances e contos difundidos pela própria indústria cultural, por intermédio das revistas femininas.

E tinha uma coisa das pessoas que trabalhavam em novela que era a grande diferença da televisão. Você imaginava a beleza das pessoas pela voz do artista. Uma pessoa hoje em dia com a minha voz já afônica e grossa só podia fazer papel de bruxa (risos). Exigia-se da personagem uma voz adequada. Por exemplo, a mocinha tinha que ter uma voz suave, tranquila para que você pudesse imaginar e criar imitando os contos que líamos nas revistas (Neide Garcia, 61, professora aposentada).

Esta ordem narrativa no melodrama nasce historicamente na Revolução Francesa . O melodrama aparece em um mundo onde os imperativos tradicionais de verdade e ética foram violentamente postos em xeque. Um novo mundo cria a necessidade de uma nova cronologia e de uma nova moralidade. Segundo Brooks (1976), nesse contexto, é preciso produzir melodrama para justificar a incessante luta contra inimigos, vilões, subornadores da nova moralidade que devem ser expurgados e confrontados para que a virtude triunfe, tornando as novas representações legíveis e claras para todos.
Podemos dizer que o melodrama é um dos modos de demonstrar, de tornar operativa a essência moral de um universo pós-revolucionário. Assim, ele representa ambos, a necessidade em direção a uma nova moralidade e a impossibilidade de conservar esta moralidade em termos tradicionais. Essa moralidade se revelava nas radionovelas pelo predomínio do bem, da beleza e do amor e pelo castigo aos culpados.

Eram pequenos contos e às vezes tinham contos que eram seriados e pela descrição que o autor ou a autora fazia você ficava imaginando aquela pessoa linda. Sempre são lindas, bem sucedidas e termina sempre tudo muito bem. E os ruins ou morrem ou vão para cadeia. (Neide, 61, professora aposentada).

As radionovelas influenciaram ainda nas rotinas domésticas das audiências daquele período. Essas rotinas são, como bem o disse Lüdtke (1994), produtos de uma prática social marcada por numerosas variações que permitiram o consumo de certos produtos culturais. No caso, o consumo das radionovelas incorporou-se a estas rotinas e delas passou a fazer parte, modificando hábitos sociais anteriores. Como revela Neide:

Novela tinha todo dia e eu só lembro desse horário. Eu lembro que eu fazia ginásio e chegava correndo do colégio, porque 5h30 tinha “Jerônimo, o Herói do Sertão”, que era a primeira que começava. Era uma novela nacional, mas tinha também as feitas aqui.(Neide, 61, professora aposentada).

No entanto, o consumo de radionovelas, assim como de outros produtos radiofônicos congêneres estava associado a um tipo de escuta particular que se relaciona diretamente a uma questão de geração.

3. Escuta Radiofônica e Geração

Os depoimentos revelam ainda uma divisão de geração explícita no hábito da escuta radiofônica. Para Neide, 61 anos, as pessoas mais velhas gostavam de ouvir rádio, mas os jovens e as crianças não. Obviamente, que a depoente está fazendo referência a uma escuta atenta, fixada no aparelho, focada exclusivamente nos meandros da trama. Para os mais jovens, os adolescentes e as crianças, com exceção dos horários destinados às radionovelas, a escuta do rádio funcionava como pano de fundo para outras atividades, como brincar, conversar e contar histórias. Os mais velhos, segundo ela, teriam repassado aos mais jovens, o hábito da escuta cativa.

Quando comecei a ouvir rádio, era por volta dos treze, quatorze anos, pelo que eu me lembro. Eu já fazia primeira série do ginásio, por aí. Tinha aquela “Jerônimo, o Rei dos Sertões”, que era uma novela rural. Depois tinha o “Direito de Nascer”. Essa era um pouco mais tarde. Era aquele dramalhão de chorar e a gente, adolescente, assistia porque os mais velhos assistiam.

Esta noção que se vincula à produção de um habitus , isto é, uma gramática generativa relacionada a um conhecimento adquirido e incorporado à uma série de disposições para agir no mundo social, tornando-se um valor determinante na conduta de seus agentes, pôde ser notada no depoimento de Gil Furtado que ressalta o fato de que sua escuta do rádio fazia parte da uma rotina diária que se formou na geração de seus pais ainda na década anterior.

Desde menino, eu gostava de ouvir rádio. Esse meu interesse ainda menino foi porque durante a Segunda Guerra Mundial meu pai era jornalista e também gostava. Como ele trabalhava em dois expedientes, eu, sempre que tinha oportunidade, ligava um rádio antigo, mas que pegava as estações estrangeiras, porque era um rádio potente. Meu pai gostava muito de ouvir a BBC de Londres na parte noturna. Depois, passados esses cinco anos dessa fase, já na década de 50, eu continuei com o hábito de ouvir rádio e até hoje permaneço com esse hábito.( Gil Furtado, 76, professor aposentado).

Se é verdade que foram os mais velhos que induziram os mais jovens à escuta radiofônica em Fortaleza, a ideia de que o consumo de produtos culturais mediados por novas tecnologias esteja relacionado a um sensorium, oriundo de novas gerações, pode ser posta na berlinda. Aqui, o consumo foi a criação de um habitus que se constituiu primeiro entre as gerações mais velhas e, só posteriormente, chegou às mais jovens.
No caso das radionovelas, o consumo rápido das gerações mais velhas pode ser explicado pelas próprias características estruturais do novo bem. As radionovelas reatualizavam uma memória narrativa oriunda do teatro melodramático , da literatura de cordel, das narrativas orais comuns no sertão, dos efeitos sonoros provenientes da arte circense. Estes elementos, híbridos, ajudaram a constituir um novo gênero de extrema popularidade.
Em contraponto à escuta segmentada Maria José Braz, 72, radioatriz, testemunha momentos de sua carreira relembrando que ao sair da emissora encontrava na calçada um amontoado de pessoas de todas as idades, algumas a enxugarem as lágrimas, emocionadas pelo desfecho do capítulo da novela que acabaram de ouvir. E ali, estavam para propiciar um encontro com as radiotrizes e radioatores ‘’objetos de admiração e endeusamento’’, para este público. Era um momento privilegiado de atenção para essa escuta que precisava materializar o que o meio e as mensagens antecipavam como configuração de sentido.
Essa forma de se inserir no mundo no qual a emotividade se torna o foco central das relações sociais representa, segundo Barbero (1988) formas de recepção típicas da cultura popular. É esse sabor emocional que definirá o melodrama radiofônico, colocando-o ao lado do popular justamente quando a marca da educação burguesa se manifesta oposta, voltada para o controle dos sentimentos que, divorciados da cena social, se interiorizam e configuram a vida privada .

5. Os Programas de auditório e as fofocas de revistas

A partir de meados dos anos quarenta até meados dos anos cinquenta, o rádio no Brasil atingiria seu ponto culminante com os programas de auditório. Os programas de auditório nasceram com os primeiros programas de calouros, chegando a se transformar numa nova modalidade de espetáculo de palco. Em especial, a década de cinquenta, ficou marcada pela acirrada competição pelo título de "Rainha do Rádio" que envolveu em disputas memoráveis cantoras como Emilinha Borba, Marlene e Ângela Maria. Nessa década, os programas de auditório das emissoras tornaram-se tão concorridos que era cobrado ingresso até para assisti-los, ainda que em pé.
Mistura de show musical, espetáculo de teatro de variedades, circo e festa de adro, esses programas chegaram a alcançar uma dinâmica de apresentação que conseguia manter o público nos auditórios em estado de excitação contínua durante três, quatro e até mais horas. Para isso, os animadores contavam não apenas com a presença de cantores de sucesso, mas ainda com o suporte musical de grandes orquestras, conjuntos regionais, músicos solistas, conjuntos vocais, humoristas e mágicos, aos quais se juntavam números de exotismo, concursos à base de sorteios e distribuição de amostras de produtos entre o público (Tinhorão, 1981).
Em Fortaleza, os programas de auditório foram os responsáveis pela popularização do rádio. Na década de cinqüenta, a disputa entre as duas rádios – Radio Iracema de Fortaleza e a Ceará Rádio Clube - se fazia por intermédio desses programas, aqui também chamados de programa de animação. Segundo os produtores, a Ceará Rádio Clube dispunha de um auditório de 500 lugares, em nada perdendo para os auditórios dos grandes centros do Sul e Sudeste do País. Os programas Divertimentos em Seqüência, Fim de Semana da Taba, Clube das Gargalhadas, Festa na Caiçara, Clube Papai Noel, Programa de Calouros eram disputados pelos frequentadores em longas e demoradas filas que antecediam ao seu início para desfrutarem da proximidade dos seus ídolos, quer fossem os ídolos nacionais, regionais ou locais.
Tinha na tarde de sábado um programa de auditório chamado “Divertimentos em Seqüência”, que trazia vários tipos de divertimento, assim como esse programas que tem na televisão do Silvio Santos, tinha adivinhações, tinha perguntas e respostas, tinha apresentação de cantores, apresentação de orquestras, apresentação de músicos, tinha calouros, eram vários tipos de divertimento, chamado de “Divertimentos em Seqüência”. (Nirez, 71, funcionário público).

Os rapazes viam no show de calouros a oportunidade para tentar uma vaga no mundo mágico das celebridades. Para as ouvintes, aquele era um espaço privilegiado para ‘’flertar, tirar linha, namorar, noivar, casar’’, com um dos artistas locais ou nacionais que ali se apresentavam. Nesses espaços se cunhou o termo popular “macaca de auditório” devido à superlotação dos espaços. As pessoas chegavam inclusive a ficar penduradas nas colunas, nas janelas, onde o corpo se adaptasse.
Numa cidade de poucas opções de lazer e carência de transporte - a freqüência às praias era rara, o acesso aos clubes seletos e aos bailes dançantes com vitrolas ou orquestras interditados a maioria - os programas de auditório com suas brincadeiras, com as seções de perguntas e respostas, com o direito a prêmios ocupavam o espaço deixado pelas diferenças de classe e pelas políticas públicas que não preenchiam a esta demanda. Nesse sentido, a distribuição de prêmios bem como a participação efetiva dos ouvintes nos espetáculos foram elementos comentados em todos os depoimentos realizados durante esta pesquisa.

Eu ia esporadicamente à Ceará Rádio Clube que tinha mais práticas de curiosidades e perguntas com prêmios. A Rádio Iracema, que funcionava na Praça José de Alencar, tinha programas com as rádios musicais com cantores. Ela sempre trazia cantores de fora. A Rádio Iracema tinha programas com as rádios musicais com cantores. Ela sempre trazia cantores de fora, mas depois que passou minha adolescência eu deixei de frequentar, mas continuo com o hábito de diariamente ouvir rádio. É uma cachacinha que eu tomo antes de dormir. (Gil, 76, professor aposentado).

Se esta participação era motivada pela aquisição de brindes, estes últimos eram, em geral, para as audiências femininas, concretizados no ganho de revistas como Capricho que contava as fofocas dos cantores e cantoras daquele período cujo acesso era difícil dado às condições econômicas das poucas ouvintes alfabetizadas, e, portanto, sonho de consumo da maioria.

Eu já estava no fim do ginásio, com 16 para 17 anos, e a gente ouvia os programas musicais. Escrevia para os programas, pedia músicas, dava vários nomes falsos, porque a gente mandava várias cartas para serem sorteadas para ganhar revistas, como Querida e Capricho. A Querida era uma revista muito boa de contos. A Capricho era de fotonovela. A Querida era uma revista de reportagens e contos. O tamanho delas era pequeno, mas bem grossas. Hoje em dia, eu vi numa dessas bancas de revista a Capricho, uma revista deste tamanhinho. Antes era uma revista grande e boa que vinha com fotonovela, reportagens, histórias, fofocas de rádio, que naquela época eram das cantoras e dos cantores.( Neide, 61, professora aposentada).

Estamos, pois, diante do que podemos chamar, assim como Barthes (1972) e Fiske (1987), de intertextualidade, ou o que Bahtkin (1998) chama de dialogismo. Isso é, a concepção de que nenhum texto pode ser lido sem relação com outros e que, portanto, quando interpretamos um bem cultural qualquer, estamos colocando em jogo, direta ou indiretamente, um amálgama de outros conhecimentos que vêm de outros textos trazidos inevitavelmente para o primeiro.
A intertextualidade, nesse caso específico, consiste na relação dos argumentos dos programas radiofônicos, aqui denominados de primários, com outros textos que se referem especificamente a eles, chamados de secundários. Estes textos secundários, como a crítica, a publicidade, e a fofoca trabalham para promover a circulação de significados difundidos pelos textos primários. O texto terciário será, então, o texto final, que circula no plano das audiências e de suas relações sociais.
Os textos secundários tinham, pois, forte influência nos significados difundidos pelos programas radiofônicos. O caso das revistas especializadas daquele período ilustra bem este ponto de vista. Capricho podia até não fazer parte do conglomerado das emissoras de rádio, mas trabalhava em cooperação com elas, fazendo circular significados importantes para cimentar o interesse pelos bens culturais inseridos na nova tecnologia. As fofocas sobre os artistas, os comentários e entrevistas, as fichas biográficas, bem como o enaltecimento do “trabalho duro” das estrelas, de seu profissionalismo e dos segredos de produção dos programas visavam a estabilizar os sentidos preferenciais difundidos por estes. Esta promoção de uma estratégia de leitura ajuda a reforçar a ideia de que o mundo das cantoras e cantores de rádio, das atrizes e dos atores e dos apresentadores se tratava de um mundo real e não de uma construção imaginária.

As revistas diziam era com quem estavam namorando, se tinham casado ou descasado. Era o novo disco que estava lançando na época, porque era disco, ainda não tinha esse negócio de CD e fita.(Neide, 61, professora aposentada).

Era, obviamente, como é até hoje, uma tentativa de controlar a natural polissemia dos textos midiáticos. Essas “informações”, por outro lado, iriam entrar no circuito social, através das conversas cotidianas dos ouvintes, que teriam lugar tanto na esfera pública como na privada, instituindo uma rede de sociabilidades complexa.
Um exemplo dessa sociabilidade eram os programas religiosos. A Hora do Pobre, programa voltado para a família cearense, e grande receptor de donativos, apresentado pelo famoso Padre Paixão, na Ceará Radio Clube, celebrava uma aliança entre a profanidade midiática e a sacralidade das instituições eclesiais.
Bom mesmo era a Hora do Pobre, celebrada pelo bondoso sacerdote Padre Paixão, autor de frases como “ A morte não avisa, faça seu testamento e deixe qualquer coisa para a Hora do Pobre”. “O aniversário de um filho, de um parente, o casamento da filha, comemore com um donativo para a hora do Pobre”. Está triste. Mande um donativo para a Hora do Pobre”. (Narcélio Lima Verde, 72, locutor de rádio).
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O sucesso do programa e a enorme quantidade de donativos recebidos levavam os próprios funcionários da emissora, os mais carentes ou os mais sabidos a se misturarem aos doadores, fazendo-se passar por assistentes eclesiais, ou população assistida, recebendo assim, as oferendas, dinheiro ou donativos outros, antes que eles chegassem ás mãos do bondoso padre.
Em Fortaleza, as alianças entre líderes religiosos e donos dos meios de comunicação sempre foram claras na cidade. A Hora do Pobre transmitia os valores e crenças do catolicismo alicerçados na bandeira da caridade cristã, do respeito à família e do cumprimento das obrigações religiosos publicizadas e, portanto, reconhecidas socialmente o que dava um status social importante para os doadores da sociedade daquele período.

5. Os programas musicais e os bailes dançantes

No início dos anos cinqüenta, já se difundia a diversidade musical existente no Brasil. A consolidação do rádio no sul/sudeste do País, a grande repercussão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro tornara conhecidos compositores e intérpretes do porte de Ari Barroso e Araci de Almeida. Cantores como Dick Farney faziam contatos com músicos norte-americanos e com eles se apresentavam, ganhando fama internacional e credibilizando seu nome no cenário brasileiro. O samba invade os espaços antes ocupados apenas pela música clássica e pelos ritmos oriundos da música norte-americana. Fato relevante no cenário musical acontecido na década de 40 foi a criação do baião pelo músico e intérprete Luiz Gonzaga. Vindo do Nordeste, Gonzaga fazia uma releitura da música popular de uma região conhecida apenas pela pobreza e o analfabetismo. Nesta década, a descoberta de Luiz Gonzaga que exibia um instrumental, um ritmo e uma forma de apresentação criativa, portanto diferenciada do que se conhecia até então, foi um grande acontecimento, logo apropriado pela indústria cultural, pela fonografia e, em especial, pelo rádio, novidade ainda para a grande extensão do território brasileiro. Em 1952, um compositor local, Humberto Teixeira, recria o baião com a música Kalu, interpretada na voz de uma cantora de sucesso, campeã dos programas de auditório, Dalva de Oliveira. A música popular que falava de um universo rural passa a fazer parte do repertório de artistas tipicamente urbanos.
Outros grandes cantores e intérpretes iniciaram suas carreiras na década de 50, como Tom Jobim, Billy Blanco e o nordestino Antonio Maria que, além de compositor, exercia as atividades de roteirista de shows e espetáculos de revista e principalmente, de jornalista e de cronista das noites da boate Vogue, responsável pela descoberta de vários talentos da música popular brasileira como compositores, músicos, letristas e intérpretes. Esse broadcasting nacional chegava até os nossos arribais por intermédio das famosas caravanas de artistas. As caravanas eram compostas por artistas contratados pelas rádios como atração principal dos programas de auditório .

Esses artistas antigos todos apareciam por aqui.. Todos eles homens e mulheres. Quem você citasse aqui eles vinham. Não vinham assim com freqüência, mas todos eles apareciam e era aquela festa. Eu não gostava de ir pessoalmente, porque aquilo era mais para o pessoal da gritaria que quando chegava o cantor ou a cantora ficavam gritando. Eu gostava de ouvir. (Gil, 76, professor aposentado).

Para as audiências, tanto femininas quanto masculinas aquela era uma oportunidade ímpar de conhecer o protagonista de um universo distante, quase irreal, uma vez que os grandes artistas eram cultuados apenas pelas suas vozes ou pelas suas fotografias em cartazes e revistas de circulação nacional.

Naquele tempo, os artistas de fora eram os mais desejados porque ninguém quase conhecia, porque não existia televisão, só ouvia a voz, zné, através de discos, etc, e quando muito se conhecia por fotos, quem tinha acesso, né ou então a voz se conhecia, mas e só quem também tinha um bom rádio. (Neide, 61, professora aposentada).

As canções desse broadcasting se popularizavam por intermédio dos bailes dançantes produzidos via programas musicais. Esses bailes divulgados com muita ênfase nas chamadas durante a programação ao longo da semana era uma outra oportunidade de lazer dantes não existente para as classes populares. Os mais famosos programas neste estilo, em Fortaleza, foi o Bazar da Música, e o Rádio Baile lembrado tanto por produtores como por receptores.

Por exemplo, à noite, às nove horas da noite, tinha o “Bazar da Música”, era o único programa de discos para dançar. Tocava duas horas de programa, que as pessoas aproveitavam para ter festinhas em casa, se chamava “Bazar da Música”. Os bailes aconteciam no sábado ou domingo, não lembro bem, mas sei que eram uma vez por semana.(Nirez, 71, funcionário público aposentado).

Mas, não era só de programas musicais que o rádio fortalezense de alimentava. Também ocupava lugar de destaque nessa programação, os programas noticiosos.

6. Os Noticiosos e a Política

No Ceará, Os Diários Associados (a Ceará Radio Clube, o Correio do Ceará e o Unitário e posteriormente, a TV Ceará) gozavam de destaque especial entre as elites empresariais. Numa terra onde as principais empresas eram de refinamento de óleo, de produção de cigarros e de revenda de máquinas de costura, as empresas relacionadas à produção de informação e entretenimento se destacavam como ícones da modernidade que finalmente chegavam à província. Essas empresas eram responsáveis pela transmissão de um imaginário que trazia à cultura local um fervilhar de idéias inovadoras que eram mediadas pelo trabalho dos locutores, apresentadores, radioatores e radioatrizes, e, conformavam uma opinião pública que se nutria da credibilidade sustentada no poderio econômico dos Associados.
Hoje tantos anos depois fico pensando no poder que tinha nesta cidade Os Associados, Ceará Radio Clube, Correio do Ceará E unitário. A força que desempenhava na cidade a opinião da crônica do Ceará, dos programas de crítica como Bate Papo na Praça, a celebre Carrocinha, a popularidade dos radio atores e das radio atrizes do radio teatro Pré-9. A a credibilidade dos noticiosos da pré-9 como noticiário relâmpago, repórter alfa, matutino pré-9, grande jornal pré-9 chegou ao ponto de quando a emissora da cidade divulgasse qualquer informação mais importante os ouvintes telefonavam para o 55525 (telefone da pré-9) pedindo da confirmação ou não. (Narcelio Lima Verde, 72, locutor de rádio).

Essa credibilidade antes como agora levou, inclusive, um dos mais populares locutores daquele período _Paulo Cabral, aos 28 anos, a ser eleito prefeito de Fortaleza e, em seguida, Deputado Estadual. Além disso, pertencer ao quadro de funcionários das empresas associadas era por si só um passaporte ou um cartão de visita para a entrada num universo interditado às pessoas comuns. Ou seja, apresentar o crachá da emissora em qualquer banco era garantia de um atendimento de excelência, uma vez que, os empréstimos bancários podiam ser feitos para eles sem cadastro. A própria entrada em clubes seletos dos quais participavam apenas a elite cearense era permitida e desejada para estes funcionários.
E quem eram os escolhidos para serem apresentadores, locutores radioatores? Os critérios eram vários. Os produtores reforçam a idéia de que para serem admitidos no rádio passavam por provas muito severas. Eles eram submetidos a testes de leitura em duas línguas estrangeiras (inglês e francês). Deveriam possuir uma tonalidade de voz sonora, grave, empostada, pausada que os diferenciassem dos homens comuns e ao mesmo tempo incitasse a imaginação dos ouvintes. Além disso, tinham que conhecer as regras da língua portuguesa e usá-las adequadamente .
Esta mesma visão era compartilhada pelos ouvintes daquele período, em especial, os masculinos, pois, eram eles, os que sonhavam com a perspectiva de um dia ter o privilégio de ser admitido como locutor de rádio enquanto que as mulheres não se preocupavam em saber como os sapos se transformavam em príncipes. Os critérios para a seleção de locutores eram assim detalhadamente conhecidos pelas audiências masculinas, como demonstra o depoimento de Gil e Nirez.

Tinha testes que eram anunciados. Existia uma seleção, mas eu nunca concorri. Os critérios de seleção eram não gaguejar e ter uma voz que agradasse, porque se um locutor não agradasse, aí era difícil. Eles não tinham uma formação, mas era um pessoal de gabarito. Não sei se eles tinham títulos de formação acadêmica, mas tinham base. Ainda hoje tem o Augusto Borges, Moreira Campos que é um intelectual e foi locutor de rádio. (Gil, 76, professor aposentado).

Havia um concurso para virar locutor na Ceará Rádio Clube Naquele tempo, se exigia muito. O locutor tinha que saber ler francês e inglês. Tinha que ter a pronúncia correta, isso era uma exigência. Para você entrar hoje no rádio ou na televisão, basta você entrar, não tem mais essas exigências. (Nirez, 71, funcionário público).


Os noticiosos dispunham de informes nacionais e internacionais que eram repassados nas edições das oito da manha, das treze horas, das dezenove horas e das vinte e uma e trinta. As noticias locais não ganhavam repercussão na grade de programação do rádio, exceto em casos de tragédias ou nos períodos eleitorais. O rádio tinha, então, mais a função de fazer penetrar na terra os interesses da política nacional do que de fazer circular aqui informações sobre os eventos locais. Este modus operandi, freqüente na produção das noticias, foi reafirmado por todos os produtores entrevistados. Esta visão era também compartilhada pelos ouvintes daquele período.

Eram muito restritos. Eram de notícias e estas não eram como as de hoje. Eram notícias radiofônicas, por exemplo, não era ao vivo, não tinha esse negócio de você falar direto do Rio de Janeiro uma notícia que aconteceu. Primeiro, era retransmitida a notícia, e depois eles anunciavam que tinha acontecido no Rio de Janeiro, em São Paulo e no mundo. Hoje não, você pega um rádio e escuta ao vivo o que esta acontecendo. (Gil, 76, professor aposentado)

O foco da atenção dos produtores estava voltado para fora: eventos, fatos políticos, novidades comerciais, crimes, modismos, entretenimentos que se originavam nos grandes centros. A nova mídia estava engajada na construção de um novo mundo sustentado pelo consumo, quer seja de bens, quer seja de informações. Essa centralização em eventos além dos nossos arribais levava aos ouvintes a pensar que os locutores praticamente não tinham opinião sobre as notícias lidas. Eles só relatam a interferência política dos locutores nos períodos eleitorais.

Naquela época, praticamente não tinham opinião, liam o que vinham escrito no papel. Mas, na época da propaganda política se fazia política. Fazia transmissão radiofônica de comícios, fazia transmissão radiofônica de eventos diversos, se transmitia posse de governador, posse de N coisas. (Gil, 76, professor aposentado)

A idéia de que os locutores não participavam da vida política porque não falavam mal dos políticos no ar era compartilhada tanto por produtores como por receptores. Este contrato de silêncio se baseava numa aliança secular entre as elites políticas, empresariais e religiosas cearenses, explicitada no chamado pacto dos coronéis. Esse equilíbrio só era quebrado quando, obviamente, interesses particulares eram postos na berlinda. Quando tal fato se dava, os locutores viravam porta-vozes desses interesses contrariados. Neste momento, estes profissionais abriam espaço em seus programas para fazerem tácitas criticas ao poder que naquele momento lhes negava alguma demanda. Como afirmava Nirez:

O locutor não falava mal do político. Não, só quando tinha o programa que era a “Voz da Estação”, dizendo se a estação era contra aquele tipo de político, o redator fazia e o locutor lia. O primeiro caso aqui foi com Faustino Albuquerque, que era governador do Estado, e, na rádio Iracema, fizeram acirrada oposição ao governo dele. E o locutor fez várias crônicas contra o governo dele e gravaram um disco, uma paródia em cima de uma música famosa na época, chamada Chiquita Bacana, porque o Faustino Albuquerque tinha um sítio em Pacatuba, um sítio lá e lá tinha uma vaca chamada Chiquita Bacana, então fizeram uma paródia. A letra dizia: “Chiquita Bacana lá da Martinica, se veste com a casca de banana nanica”. Eles fizeram: “Chiquita Bacana lá da Pacatuba...”. (Nirez, 71, funcionário público)

Lembramos aqui que as notícias eram intercaladas pelos chamados reclames, símbolos mais do que óbvios da expansão do capital em uma sociedade ainda de cunho tradicional.

7. A propaganda e sua repercussão local

A partir do pós-guerra e durante toda a década de 50, consolida-se a sociedade de consumo, multiplicando produtos como eletrodomésticos, cosméticos, veículos e confecção. A grande novidade da época foi o lançamento do refrigerante. Surge também a facilidade de compra, o crediário, que insere parte significativa da população no consumo de bens e serviços. O mercado publicitário cresce e os profissionais da área imprimem uma nova estética à propaganda seja para os meios impressos sejam para os radiofônicos com os spots e jingles. Neste período, cerca de 60% do capital destinado à publicidade, pelas empresas, é aplicado no rádio na forma de publicidade e/ou de patrocínio de programas. O rádio torna-se o principal veículo de propaganda, configurando-se numa mídia que já atendia a uma segmentação de público. As radionovelas anunciavam os produtos eletrodomésticos, os programas de auditório sorteavam brindes que variavam da colônia Aqua-velva aos óculos ray-ban, os humorísticos distribuíam o refrigerante Grapette e os radiojornais recebiam o patrocínio de grandes empresas. Os principais anunciantes eram lojas de departamentos, restaurantes, lanchonetes, farmácias e produtos alimentícios.
De acordo com os produtores daquele período, existiam na época, em Fortaleza, firmas cujos dirigentes eram homens de visão e reconheciam a força da promoção comercial. No Ceará, tínhamos empresas com slogans específicos que caíam bem no gosto popular, como Casa Vilar, a mais antiga do Ceará; Flama Símbolo de Distinção; Lojas A Cruzeiro, as mais completas da cidade e Casa das Máquinas, o maior crediário do Ceará. Ao lado desses testemunhos, havia a produção de jingles que todos, produtores e ouvintes, repetem de memória, cantarolando, e emitindo juízos de valor sobre a beleza da musica, da eficácia dos locutores e de sua adaptabilidade aos gêneros radiofônicos no qual se inseriam.

Por exemplo, você estava escutando um programa de música erudita, a propaganda era de acordo. Hoje em dia não, você tá assistindo numa televisão um disco, seja bíblico, aí entram: “Casas Bahia, não sei o quê...”, ou seja, não há respeito da parte comercial ao programa que está sendo exibido. Naquela época, tinha sim. (Gil,76, professor aposentado)

Tanto produtores como receptores lembram que naquele tempo, quando a música que antecedia a fala do jingle soava, já se sabia a qual produto estava se fazendo referência. Glice Sales 65, rádioatriz, quando entrevistada, repete de memória, dramatizando, uma verdadeira avalanche de anúncios e reclames. Um exemplo: Ela é linda! Aaah!, Usa Pond’s! Aaah! Está noiva! Ooooh! - Fiu... Fiu... É uma uva! - Quem: Eu, cavalheiro: - Não! GRAPETTE!
O suporte econômico advindo da venda de comerciais transformou as duas rádios, Ceará Rádio Clube e Rádio Iracema em grandes competidoras no que se refere à contratação de artistas nacionais e internacionais. De parceria com os clubes de entretenimento freqüentados apenas pela elite, realizaram contratações que envolviam somas consideráveis em dinheiro no sentido de garantir a presença da atração, aumentando a audiência da emissora e angariando mais anunciantes. Assim, a cultura local entrava em contato com os artistas, músicos, compositores que se apresentavam preferencialmente no sul e sudeste, permitindo uma atualização com o gosto nacional. Outras formas de atualização eram as revistas e o cinema. Tinhorão (1981, 43), qualifica este momento do rádio comercial moderno como o estabelecimento de uma radiofonia destinada a atender ao gosto massificado dos ouvintes para maior eficiência da venda das mensagens publicitárias.
À guisa de conclusão, o que podemos afirmar, baseados nas memórias dos depoentes desta pesquisa, é que o rádio, quando relembrado hoje, adquire, no período em questão, uma tonalidade de artefato mágico para esses indivíduos. O tom emocionado, presente em todas as entrevistas, quer seja na posição de produtores, quer seja na situação de ouvintes, espelha, uma intensa relação emocional com o então novo meio. O passado é, para estes indivíduos, mediado pela lembrança dos programas e anúncios vistos e ouvidos nos anos cinqüenta em Fortaleza. Logicamente, que este é um passado reconstruído uma vez que esta memória mediada midiáticamente, ao mesmo tempo que inclui, exclui determinados elementos.
Assim, destacamos a. o rádio como formador de uma comunidade imaginária no qual se estabelecia uma fronteira difusa entre os valores dominantes daquela sociedade e sua necessidade de adaptação a novos contextos, b. Seu papel inequívoco como mediador na construção de uma idéia de urbanidade para uma sociedade ainda de hábitos rurais, c. As novas sociabilidades oriundas da intermediação dos programas radiofônicos e o papel político na medida em que fornecia uma opção de lazer à uma classe social_ a popular_ até então marginalizadas das benesses dos processos produtivos, d. Os discursos, que supostamente pertenciam individualmente a cada um dos informantes, na verdade, configuraram diálogos que saíram do âmbito do privado e entraram no âmbito público e vice-versa.
Na visão dos entrevistados a forma intensa como o rádio marcou a década de cinqüenta em Fortaleza não se compara com a inserção de nenhuma outra tecnologia que veio a posteriori. Os ventos de mudança que com ele vieram não puderam ser vistos, segundo os depoentes, como dissociados da efetiva participação do meio em suas rotinas diárias. Com certeza, o rádio foi capaz de produzir os textos que alimentaram a memória destes indivíduos.
Este foi um pequeno panorama dos sentidos potenciais do rádio em uma cidade do Nordeste do Brasil. Este estudo nos ajuda a pensar o rádio como uma prática significante de espaço de produção e sentido, de dialogicidade, de experiência cultural. Com esta pesquisa, apresentamos algumas das possibilidades de pensar estas questões. No entanto, ressaltamos a sua ainda exigüidade frente à pluralidade de sentidos que tal perspectiva teórico-metodológica nos traz. Neste aproche, trata-se de se considerar a distância entre nós e os outros, entre o tempo atual e o tempo histórico como um elemento que nos leva a perceber esta pesquisa como um trabalho de reconstrução que deve ser considerado em toda a rede de complexidade que carrega consigo.
Bibliografia
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